segunda-feira, 24 de março de 2014

Relato de Parto – Ágatha Barbosa e Azul

Re-Atos, Relatos e Retratos! (ou "relato de parto")


Relato de Deslumbre [início de 2013]

Minha vida era minha, né? Minha vida era pós-neo-contemporânea e moderninha o suficiente para exercitar diariamente o EU possuidor de MIM. Ahh liberdade... né? Nesse hoje saturado de absurdices, o que me deslocaria? Me assustaria? Me levaria ao espanto da suspensão com aquela cara irreprodutível de quem tropeça? Me tiraria de mim?

Positivo!!
… 

“Não, agora não”, “Quem sabe ano que vem”, “Tenho que terminar a faculdade”, “Queria viajar”. Pensava, idealizada…”Se eu não sinto que quero, então não é hora, né?” Raciocinava abortar uma idéia, deletar um projeto num clique de mágica? Exercitar meu direito? Mas ela já existe, e quem sou eu agora? É pra sempre.

Respirei…. Senti!

Medo! Frio na barriga, adrenalina, sorriso assustado olhando para um canion e os horizontes psicolelizando-se de imediato. Alarga-se o corpo, alarga-se a consciência, alarga-se toda a existência! Medo! Inconvicto, instintivo….

Engravidar não é uma ação. Não fizemos um filho, ele foi feito em mim, de mim. E eu, templo da criação, metAMORfoseada em mãe, que a natureza pegou pela mão, governo de mim.


Azulejos

Fui abismada
Dilatada no tempo, abismada
Fui lançada à vertigem do vento, abismada
Meu corpo, em imensurável medo, é remergulhado à tragar

Em templo
Incabível em perfeito encaixe, contemplo
Plural e símile, acaso das somas incomportáveis
Feita das ondas que vão pro infinito profundo

Na reexistência
Do reencanto, recanto do olhar, existimos
Reflexos e influxos do desenganado nós, insisto.
O deslumbrado corpo emudeceu o não.

(Ágatha Barbosa_neo-mamãe)


Relato de Luz - o avesso, do avesso, do avesso, do avesso [de 8 à 11 de setembro de 2013]

Quando foi a última vez que você parou para sentir seus ossos... vivos? Sua pele dilacerar-se... viva? Seus órgãos caminharem dentro de você!
Surpreender-me do início ao fim. Tirar-me do controle lógico das coisas. Longe, longe com todas as certezas e achismos informativos. Como lá, há uns 9 meses atrás, deslocou-me de mim mesma nesta emulsão no meu corpo. Completando quantas semanas eu já não sei (se eram 39 de minha memória ou 41 dos equipamentos técnicos), essas fisgadas que não me deixaram dormir por dias a dizer que novamente percebesse o poder que meu corpo tem, que não é privado nem é alheio, é um poder síncrono com a terra e seus rangeres de dentes, as ondas e suas contrações, os ventos e seus uivos de dor, de alívio, de expressão!

Foram dias fatiados em 40 minutos, sonos fragmentados em 10 minutos e já não sabia o que era estar sonhando ou vivendo, acordar era sonambular as horas. Só o que eu queria era saber que aquilo tudo era parte do processo e me entregar a ele, mas antibióticos combatiam uma falsa acusação infecciosa. Tudo isso por acharmos demais, como sempre.

É terça-feira e desde sábado meu corpo urge. Estou de malas prontas e levo nelas a sede de que não voltaríamos pra casa para dormir só nós dois neste quarto novamente. Marina olhou pra minhas olheiras que também dilatavam em tantos dedos que só pode me confirmar a notícia aliviante…  luz? aahh! - Casa Ângela, por volta do meio dia.

A partolândia é perfumada por orquídeas e ocitocina, depois de conhecer esse templo, nem minha casa me pareceu tão apropriada, ali eu estava segura como no colo da minha mãe. Uma ansiedade gostosa, curtida na banheira com velas, frutas, carícias e músicas. (#partoostentação) O sorriso dele também não cessava e tinha um cheiro colorido.

As próximas 9 horas foram de uma eterna espera. “Quando eu posso fazer força?!” “- Você vai saber.” Dilatava à medida que corpo parecia esgotar-se a cada contração. As mil posições, as mãos mágicas de Marina, Maya e as do meu amor eram meu suporte massageando minha paciência.

“Fiquei impressionada com um momento do seu parto quando você estava na banheira e o Joao sentado atrás de você fazendo carinhos no seu cabelo. Eu estava sentada no chão ao outro lado da banheira. Os cortinados estavam quase fechados mas deu para ver uma fenda do céu azul e limpo. A única estrela que já tinha nascido naquela noite (ainda era cedo) aparecia naquela fenda de céu azul em cima do seu rosto e do rosto do Joao. Assim parecia um triângulo; a estrela e os seus dois rostos. Pensei que era uma coisa divina com esse triângulo e pensei na chegada da Azul que vinha de um outro universo bem longe para os seus bracos."
(Maya Bauer, a obstetra/fada que me acompanhou, dias depois me presenteando com essa lembrança)

“- Marina, acho que to sentindo uma vontade de fazer força. Já posso?!”  

Ahhhh finalmente! Tanto foi feito no meu corpo pela senhora natureza, e agora EU posso parir com toda a vontade que me transbordava! Os suspiros de cantos desafinados deram lugar aos urros que vinham do fundo da Terra! Ahhhh!!! “- Ela tá vindo, ela tá vindo!” “ - Calma, foi a bolsa heheh” AAHHH AAHHHHH

O quarto todo revirado, eu nua do avesso sendo tragada para o chão. Azul chamava pela terra me queria de cócoras para cair. Ar membyra!! Aaaaarrrr!!!!

O cheiro de café quente no ar, única intervenção que aqueceu-me o períneo, e meus dedos acolhendo meu clitóris para completar o relaxamento. AAHHHHHHHHAAHHHahahahahahah!!!!
Lacerou-me o corpo e foi enlaçada por quatro braços!!!

...a luz.

Azul!

Transbordei-me em você!

Ficamos por uma hora conectados, eu, ela, ele e a placenta. Sugou-me a primeira fome!
E fomos abismados enfim!



Ahhhhzul!

A, do princípio, esse recomeço
Anáfora do meu ser, teu ser, nosso ser, será
A vinda de outros As,
quando tudo começa em um A³ e de torna +1
te extendendo…

A cor e a pedra, a cor na pedra, a cor da pedra
Acrescentando ainda mais vida
A algo já tão incrivelmente vívido,
Ampliando essa assonância, dando-lhe tom.

Fundem-se as duas, sinestesia de cor, som, tom, matéria.
E dessa matéria, pedra fundamental,
se faz a cor, se faz o cor…

...Meu cor a bater apertado,
entrando nesse ritmo
que é a perpetuação da vida
dentro de você, de mim, dela, de nós.

(Seneli Borges Barbosa_neo-vovó)

Nenhum comentário:

Postar um comentário